domingo, novembro 20, 2011

O Filho de Luiza Mahin

Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, uma homenagem a Zumbi dos Palmares, morto pelos paulistas, uma gente estranha naquele tempo, que nem português falava direito. Eram pardos. Descendentes de tupiniquins, acabariam desbravando e conquistando o país. Nem sempre se deram bem. Levaram uma corrida dos reinóis nas Geraes. Mas hoje em dia fazem o que bem entendem com o país.

É de um grande paulista, nascido na Bahia, que o dia de Zumbi me faz lembrar. Um negro, que como Zumbi tinha conhecimento das letras. Zumbi aprendeu Português e Latim ainda criança. Desde cedo teve boa formação. Luiz Gama, bem mais tarde: foi alfabetizado aos 17 anos. Fugiu aos 18. Assentou praça na Força Pública de São Paulo em 1848. E ali teve acesso a uma rica biblioteca, de seu protetor e mestre, o conselheiro Furtado. Ele mesmo nos relata: ”o exmo. sr. Conselheiro Furtado, por nímia indulgência, acolheu benigno, em seu gabinete, um soldado de pele negra, que solicitava ansioso os primeiros lampejos da instrução primária. Ao entrar nesse gabinete, consigo levava ignorância e vontade inabalável de instruir-se.”

Quando ouço falar de grandes vultos brasileiros, não encontro nenhum que se compare ao advogado (rábula) Luiz Gama, filho de uma quitandeira em Salvador, Luiza Mahim, nagô livre e sempre envolvida nas diversas rebeliões locais. Há um tempo a revista Época fez uma pesquisa entre seus leitores sobre qual o maior dos brasileiros. Rui Barbosa foi o escolhido. Baiano por baiano, sou mais o filho de Luiza Mahim. Rui concordaria comigo, conhecia e admirava Gama. Não sei sehouve leitores que votaram em Zumbi. Mas o meu voto foi para Luiz Gama, não só o maior dos brasileiros, como também o mais corajoso. E herói, não mártir. Vitorioso e reverenciado em vida. Temido pelos inimigos da liberdade. Seu enterro foi o mais emocionante acontecimento da história de São Paulo. Um dia vocês verão isso em uma minissérie da Globo, e, aí, vão acreditar.

Nem em São Paulo ele hoje é reconhecido. Num artigo em que comenta o desrespeito às leis contra o tráfico negreiro pelo Império Brasileiro, Marcelo Coelho perdeu uma boa oportunidade de citar Luiz Gama, que libertou centenas e centenas de escravos, com base nessas leis. Todos haviam chegado ao Brasil após a proibição. Também Boris Fausto, em outro artigo na Folha de SP, fez comentários sobre o Conselho de Estado e sobre um parecer de Pimenta Bueno que tratava da condição dos escravos perante a constituição brasileira da época (cerca de 1860). Seria oportuno também citar Luiz Gama, que em um longo artigo – “Questão Jurídica”, em 18 de outubro de 1880, em A Província de São Paulo - relata e praticamente esgota o assunto das tentativas de interpretação dos escravocratas a respeito da lei de 7 de novembro de 1831 (“para inglês ver”), e onde bate pesado no então conselheiro Nabuco de Araújo (pai de Joaquim Nabuco).

Duas citações deste grande herói brasileiro bastam para fazê-lo o maior de todos:
“O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa” – Tribunal do Júri de Araraquara (o presidente do júri se viu obrigado a suspender a sessão, devido ao tumulto provocado).
“O Brasil americano e as terras do Cruzeiro sem rei e sem escravos” – São Paulo, 2 de dezembro de 1869, dia do aniversário de D. Pedro II.