quarta-feira, junho 30, 2010

Yeats em Ipanema

Estou encostado no balcão da Polis Sucos.
A jovem morena fala-me a sério sobre as eleições e a candidatura de Gabeira. Estou atento.
Sou capaz de descrever os seus cabelos negros, ainda úmidos e revoltos pela toalha da academia, seu olhar determinado e a firmeza de seu queixo. As saboneteiras ficam mais salientes a cada argumento seu, quando os ombros acompanham o mover dos braços agitados pela política.

Ela depõe o copo de açaí sobre o vidro e assisto compenetrado ao enumerar de razões em seus dedos longos, e meus ouvidos captam as variações de seu tom de voz ligeiramente rascante.
Mas não a escuto. E nem mesmo percebo o que lhe respondo. Mas poderei sempre recordar sua maneira de reagir aos argumentos que ignoro ter usado, o seu dar de ombros desdenhoso e as aflições dos gestos faciais que o acompanharam.

Meu pensamento está distante da política, mas ronda por ali, bem perto, sem que ela perceba o predador à espreita da presa descuidada.

How can I, that girl standing there,
My attention fix
On Roman or on Russian
Or on Spanish politics?

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sábado, junho 26, 2010

Tédio eleitoral

O que mais me aborrece nesta eleição morna não chega a ser o medo brizolista da fraude, a falta de confiança nessas urnas misteriosas. É claro que se deve estar atento. A cada dia assistimos a novas demonstrações de ousadias e insanidades desses aloprados.

O que mais me aborrece, insisto, é que, sendo todos obrigados a votar, aqueles que se sentem revoltados com a situação do país, não podem manifestar sua indignação e protestar votando em Cacarecos e macacos Tião, como antigamente. As opções do voto nulo ou branco, que essas máquinas oferecem, são insossas, sem atrativo algum.

Tenho meus candidatos e vou votar direitinho. Mas nem todos pensam como eu. Talvez alguns queiram votar na Cicarelli, no Bin Laden, ou até no Evo Morales (numa nova versão do “basta de intermediários”).

Palavrão, então, nem pensar.

sexta-feira, junho 18, 2010

Celeiro (Bernardo Soares)

A sinceridade é uma grosseria, a verdade é a mais perigosa das ilusões.

Quando leio na revista que o Celeiro é o melhor restaurante a quilo e o que tem a melhor salada da cidade, pressinto que as pessoas que assim o entendem nunca foram capazes de perceber e nem foram tocadas pela morte da mãe do Bambi, ou pela possibilidade de Capitu não passar de uma vadia, como a Bovary.

Saber abstrair das coisas naturais da vida tudo o que têm de real é o grande segredo que nos faz suportá-la. Com os restaurantes, mais ainda. Restaurantes têm alma, nos trazem curiosas sensações, devaneios secretos, entre gentes que não nos percebem, ou que fingem não nos perceber, que nos deixam sorrir à toa, falar alto, fazer do salão a extensão de nossa personalidade.

Comem-se saladas no Celeiro porque elas estão lá. Ninguém vai ao Antiquarius para comer bacalhau. Se assim o faz, é ninguém, com algum dinheiro.

Não conheço quem tenha definido, com a linguagem adequada para que espíritos delicados compreendam, o que são certos ambientes e segredos do Rio de Janeiro. E os que não conseguem e têm uma pauta a observar, prazos a cumprir, o fazem com base nas insignificâncias das coisas reais que os cercam.

Como quem afirma que a água é a combinação de hidrogênio e oxigênio, qualquer idiota pode falar que, na verdade, o Celeiro é uma padaria que vende comida a quilo.

A vida é como aquela estrela brilhante que vemos pela manhã. Está lá, mas já foi o que parece ser.

(Se Fernando Pessoa e Woody Allen tivessem nascido em Ipanema, nunca teriam escrito poesias ou feito filmes, mas estariam sempre no Celeiro. Sós.)

terça-feira, junho 08, 2010

Shangri-lá

Aquela moça simpática, que está no Rio Show (O GLOBO), a brindar-nos com doses de bom humor e de conhecimentos etílicos, Deise Novakoski - espero que seja seu sobrenome de solteira – levou-me, este fim de semana, de volta aos tempos da guerra, quando aviadores ingleses, abatidos pela artilharia alemã, eram conduzidos através do continente, até o sul da França. Ali nos eram entregues por oficiais da resistência, e partiam, com a ajuda de nossa rede, para a Espanha, em rotas que cruzavam os Pirineus.

Minha base ficava em Nice, e meu contato era um jovem agente britânico, que tinha uma especial habilidade em obter informações através de atraentes jovens francesas, recrutadas graças ao seu charme, a maços de cigarros e a meias de seda vindas da América. Para encantá-las, marcava os primeiros encontros no bar do Hotel Negresco (Le Relais, creio eu). Lá, o barman preparava para elas um irresistível cocktail, Shangri-lá, de inocente cor de rosa e feito de uma poderosa mistura de Campari e Beefeater, este último fornecido secretamente pelo Tesouro de Sua Majestade Britânica aos estoques de gin do Negresco.

Hoje eu peço à barwoman - ó tempora!!! - do Copa Café para adicionar três gotas de Angostura, porque prefiro usar apenas meia dose de Campari, para cada uma de gin. O resto é gelo, suco de laranja e duas colherinhas de açúcar. Uma rodela de laranja e um canudinho vermelho dão uma graça adicional ao copo longo. Um conselho: não as deixe passar da terceira dose.

Mellors, que se dizia oficial da Marinha Mercante Inglesa, afirmava que o Shangri-lá era criação sua, e que ensinara a receita ao barman do Le Relais. Isto, sinceramente, é a única coisa que não posso afirmar ser verdadeiro nessa história.