sexta-feira, junho 18, 2010

Celeiro (Bernardo Soares)

A sinceridade é uma grosseria, a verdade é a mais perigosa das ilusões.

Quando leio na revista que o Celeiro é o melhor restaurante a quilo e o que tem a melhor salada da cidade, pressinto que as pessoas que assim o entendem nunca foram capazes de perceber e nem foram tocadas pela morte da mãe do Bambi, ou pela possibilidade de Capitu não passar de uma vadia, como a Bovary.

Saber abstrair das coisas naturais da vida tudo o que têm de real é o grande segredo que nos faz suportá-la. Com os restaurantes, mais ainda. Restaurantes têm alma, nos trazem curiosas sensações, devaneios secretos, entre gentes que não nos percebem, ou que fingem não nos perceber, que nos deixam sorrir à toa, falar alto, fazer do salão a extensão de nossa personalidade.

Comem-se saladas no Celeiro porque elas estão lá. Ninguém vai ao Antiquarius para comer bacalhau. Se assim o faz, é ninguém, com algum dinheiro.

Não conheço quem tenha definido, com a linguagem adequada para que espíritos delicados compreendam, o que são certos ambientes e segredos do Rio de Janeiro. E os que não conseguem e têm uma pauta a observar, prazos a cumprir, o fazem com base nas insignificâncias das coisas reais que os cercam.

Como quem afirma que a água é a combinação de hidrogênio e oxigênio, qualquer idiota pode falar que, na verdade, o Celeiro é uma padaria que vende comida a quilo.

A vida é como aquela estrela brilhante que vemos pela manhã. Está lá, mas já foi o que parece ser.

(Se Fernando Pessoa e Woody Allen tivessem nascido em Ipanema, nunca teriam escrito poesias ou feito filmes, mas estariam sempre no Celeiro. Sós.)

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