quinta-feira, julho 15, 2010

DÚVIDAS

Esse dia frio de hoje está pedindo Brahms ou Mahler?
Fellini ou Woody Allen?
Se Borges, vinho chileno, se Neruda, vinho argentino, ou vice versa?
Arpoador ou Mirante do Leblon?
Calada ou assanhada?
(2010 será lembrado como aquele ano em que o inverno caiu num fim de semana chuvoso em julho)

quarta-feira, junho 30, 2010

Yeats em Ipanema

Estou encostado no balcão da Polis Sucos.
A jovem morena fala-me a sério sobre as eleições e a candidatura de Gabeira. Estou atento.
Sou capaz de descrever os seus cabelos negros, ainda úmidos e revoltos pela toalha da academia, seu olhar determinado e a firmeza de seu queixo. As saboneteiras ficam mais salientes a cada argumento seu, quando os ombros acompanham o mover dos braços agitados pela política.

Ela depõe o copo de açaí sobre o vidro e assisto compenetrado ao enumerar de razões em seus dedos longos, e meus ouvidos captam as variações de seu tom de voz ligeiramente rascante.
Mas não a escuto. E nem mesmo percebo o que lhe respondo. Mas poderei sempre recordar sua maneira de reagir aos argumentos que ignoro ter usado, o seu dar de ombros desdenhoso e as aflições dos gestos faciais que o acompanharam.

Meu pensamento está distante da política, mas ronda por ali, bem perto, sem que ela perceba o predador à espreita da presa descuidada.

How can I, that girl standing there,
My attention fix
On Roman or on Russian
Or on Spanish politics?

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sábado, junho 26, 2010

Tédio eleitoral

O que mais me aborrece nesta eleição morna não chega a ser o medo brizolista da fraude, a falta de confiança nessas urnas misteriosas. É claro que se deve estar atento. A cada dia assistimos a novas demonstrações de ousadias e insanidades desses aloprados.

O que mais me aborrece, insisto, é que, sendo todos obrigados a votar, aqueles que se sentem revoltados com a situação do país, não podem manifestar sua indignação e protestar votando em Cacarecos e macacos Tião, como antigamente. As opções do voto nulo ou branco, que essas máquinas oferecem, são insossas, sem atrativo algum.

Tenho meus candidatos e vou votar direitinho. Mas nem todos pensam como eu. Talvez alguns queiram votar na Cicarelli, no Bin Laden, ou até no Evo Morales (numa nova versão do “basta de intermediários”).

Palavrão, então, nem pensar.

sexta-feira, junho 18, 2010

Celeiro (Bernardo Soares)

A sinceridade é uma grosseria, a verdade é a mais perigosa das ilusões.

Quando leio na revista que o Celeiro é o melhor restaurante a quilo e o que tem a melhor salada da cidade, pressinto que as pessoas que assim o entendem nunca foram capazes de perceber e nem foram tocadas pela morte da mãe do Bambi, ou pela possibilidade de Capitu não passar de uma vadia, como a Bovary.

Saber abstrair das coisas naturais da vida tudo o que têm de real é o grande segredo que nos faz suportá-la. Com os restaurantes, mais ainda. Restaurantes têm alma, nos trazem curiosas sensações, devaneios secretos, entre gentes que não nos percebem, ou que fingem não nos perceber, que nos deixam sorrir à toa, falar alto, fazer do salão a extensão de nossa personalidade.

Comem-se saladas no Celeiro porque elas estão lá. Ninguém vai ao Antiquarius para comer bacalhau. Se assim o faz, é ninguém, com algum dinheiro.

Não conheço quem tenha definido, com a linguagem adequada para que espíritos delicados compreendam, o que são certos ambientes e segredos do Rio de Janeiro. E os que não conseguem e têm uma pauta a observar, prazos a cumprir, o fazem com base nas insignificâncias das coisas reais que os cercam.

Como quem afirma que a água é a combinação de hidrogênio e oxigênio, qualquer idiota pode falar que, na verdade, o Celeiro é uma padaria que vende comida a quilo.

A vida é como aquela estrela brilhante que vemos pela manhã. Está lá, mas já foi o que parece ser.

(Se Fernando Pessoa e Woody Allen tivessem nascido em Ipanema, nunca teriam escrito poesias ou feito filmes, mas estariam sempre no Celeiro. Sós.)

terça-feira, junho 08, 2010

Shangri-lá

Aquela moça simpática, que está no Rio Show (O GLOBO), a brindar-nos com doses de bom humor e de conhecimentos etílicos, Deise Novakoski - espero que seja seu sobrenome de solteira – levou-me, este fim de semana, de volta aos tempos da guerra, quando aviadores ingleses, abatidos pela artilharia alemã, eram conduzidos através do continente, até o sul da França. Ali nos eram entregues por oficiais da resistência, e partiam, com a ajuda de nossa rede, para a Espanha, em rotas que cruzavam os Pirineus.

Minha base ficava em Nice, e meu contato era um jovem agente britânico, que tinha uma especial habilidade em obter informações através de atraentes jovens francesas, recrutadas graças ao seu charme, a maços de cigarros e a meias de seda vindas da América. Para encantá-las, marcava os primeiros encontros no bar do Hotel Negresco (Le Relais, creio eu). Lá, o barman preparava para elas um irresistível cocktail, Shangri-lá, de inocente cor de rosa e feito de uma poderosa mistura de Campari e Beefeater, este último fornecido secretamente pelo Tesouro de Sua Majestade Britânica aos estoques de gin do Negresco.

Hoje eu peço à barwoman - ó tempora!!! - do Copa Café para adicionar três gotas de Angostura, porque prefiro usar apenas meia dose de Campari, para cada uma de gin. O resto é gelo, suco de laranja e duas colherinhas de açúcar. Uma rodela de laranja e um canudinho vermelho dão uma graça adicional ao copo longo. Um conselho: não as deixe passar da terceira dose.

Mellors, que se dizia oficial da Marinha Mercante Inglesa, afirmava que o Shangri-lá era criação sua, e que ensinara a receita ao barman do Le Relais. Isto, sinceramente, é a única coisa que não posso afirmar ser verdadeiro nessa história.

sexta-feira, maio 28, 2010

Volver

Para voltar a ser jovem, eu seria capaz de qualquer coisa, menos fazer caminhadas, levantar cedo ou freqüentar academias. Acho que para recuperar e manter a juventude, as pessoas têm apenas que repetir as mesmas loucuras.

Adoro os prazeres simples, são o último refúgio das pessoas complexas.

Não quero mudar o mundo, a não ser quando as pessoas me procuram para isso. Neste caso, até que eu ajudo bastante.

sábado, maio 22, 2010

Modernidades

Em Vitória, para participar de um fórum, uma agradável surpresa: o aeroporto é antigo, desce-se para a pista e se vai caminhando ao ar livre até o terminal. Uma brisa amena nos recebe.

Não há dúvida de que as reformas dos aeroportos são necessárias. Mas nos tiram alguns encantos de outras épocas. Assomar o alto da escada do avião, no Santos Dumont, com a vista alcançando o Pão de Açúcar e a Glória, ou, do outro lado a Ponte, deixou de ser uma das alegrias de sentir-se no Rio. Restará a visão da Ilha Fiscal, pouco antes de se tocar o solo, ou do Monumento aos Pracinhas, na aproximação do terminal.

Aqui no Recife (morram de inveja, escrevo de Boa Viagem), onde o aeroporto também foi reformado, perdeu-se a brisa que nos abraçava assim que deixávamos o avião. Até de olhos fechados sabia-se estar no Recife.

Aquela sensação de reclame da PANAIR numa página de Seleções nos vai abandonando, em troca dos labirintos estafantes dos novos terminais.

sexta-feira, março 19, 2010

Troia

Ao andar pela rua da Alfândega e adjacências, vejo o quão longe estamos dos horrores do Oriente Médio. Caminho por ruas do Rio em que descendentes daqueles pobres povos em guerra insolúvel convivem tranqüilamente, entre si e com aqueles coreanos que já foram sinistros, e que hoje sorriem e piscam os olhos para as morenas que por ali passeiam. É uma pena que em nosso SAARA não haja lugar para mais gentes do oriente. Seriam bem-vindas, como sempre o foram.

Homero mostrava os atos dos homens como conseqüência das disputas fúteis dos deuses do Olimpo. Se Júpiter desafiava Saturno (seu pai, prestem atenção), calamidades terríveis atingiam a humanidade, espalhando guerras e pestes, sofrimento, dor e fome em cada povo, em cada cidade, em cada lar.

O ambiente ideal para essas manifestações sempre foi o Mediterrâneo e seus arredores. Ali os conflitos explodiam. Egípcios, babilônios, gregos, persas, romanos e judeus se engalfinhavam em batalhas cruéis, revoltas, longos cercos, punições coletivas, remoção forçada de populações inteiras, massacres e destruição de cidades e templos.

Parece que Homero estava certo. Percebe-se em nossos tempos, que o Deus dos americanos – 89 por cento dos americanos acreditam que Jesus Cristo os ama de maneira pessoal e individual – encontra-se envolvido numa acirrada disputa com Iehwah (seu pai). Este, cansado da ineficiência de sua Aliança com os descendentes de Abraão e Moisés, após a inegável vitória do cristianismo politeísta de Constantino, abandonou-A ou pelo menos A ampliou, acolhendo Maomé e seu povo em suas hostes monoteístas. Assim, aquela região continua sofrendo as desgraças provocadas por vaidades divinas, e, desde os tempos de Tarik e das Cruzadas, por um combate brutal envolvendo nos dois lados, Deuses de uma mesma substância, ou talvez, de um lado, uma confusa Trindade e, do outro, um Deus intratável e ciumento, sempre furioso com a gente.

O que me preocupa é o fato de existirem esforços para trazer algumas dessas concepções deístas americanas para o Brasil, sem a avaliação das conseqüências de tais iniciativas. As pessoas que acreditam que a imitação do Sistema está nos movimentos do hip hop ou do funk, não estão vendo que a invasão imperial se dá por conceitos do sagrado, diferentes daqueles com que estamos acostumados a viver. Alexandre e César já compreendiam a necessidade do divino para um império dominar povos diversos.

Aqui, na verdade, nós nunca demos ouvidos a esses conflitos de divindades, e nossos cristãos, mais devotos de Maria - mãe de Jesus de Nazaré e de Tiago - sempre conviveram bem com algumas entidades divinas trazidas da África Interior, um tanto ferozes, mas, em geral, inofensivas.

Deus, para a maioria de nós sempre foi uma questão íntima, e, para alguns, algo que não faz a menor diferença.
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