quinta-feira, outubro 22, 2009

Eu e Santiago, no Lautrec

Eu estava em Fortaleza e pretendia rever Santiago. Como encontrar um lugar tranqüilo, para ouvir novamente sua longa conversa, seus resmungos de velho solitário, numa cidade ainda estranha para mim? Duas jovens executivas, moças decididas e corajosas, bastante sensíveis às minhas dificuldades, indicaram-me o que seria um pequeno e intimista restaurante francês. Quando me disseram que ficava em um shopping, duvidei. A maldição dos shoppings centers reside na contradição – insolúvel – de que quanto mais autêntico procura ser o que lá nos é oferecido, mais falso se torna. Imaginem: um bistrô, francês, logo ao sul do Equador, e num shopping.

Pois havia muito que não me era apresentada uma novidade encantadora como o Lautrec. Não estava num shopping de verdade, mas sim em uma simpática galeria com terraços ao ar livre, mesas por ali dispostas. O pequeno restaurante tinha também um ambiente fechado, tranqüilo e muito charmoso, onde escolhi ficar, numa pequena mesa ao fundo.

Santiago não mudara nada, desde meus tempos do colegial. Mudei eu. Nesse reencontro pude melhor compreender e admirar sua tenacidade e seu amor à vida. Sua coragem de espírito, sua inteligência fria e vigorosa, sua capacidade de agir em todas aquelas circunstâncias como um ser dotado de razão e de um forte sentimento de superioridade perante a força animal. Lá estava ele, outra vez, só, no mar infinito, em luta com o maior dos peixes com que jamais sonhara em sua vida.

Dizem que Kipling, quando escrevia em sua escrivaninha voltada para o jardim de sua casa, em Bombaim, fazia longas pausas, olhando o infinito, a pena em sua mão suspensa. E que, se você estiver lendo Kim no ritmo certo, irá notar, na narrativa, onde ocorreram esses momentos pensativos. Assim também percebi, relendo O Velho e o Mar, ali naquele canto discreto do Lautrec, que Hemingway deve ter construído a narrativa da saga de Santiago olhando as águas turquesas do Caribe, em intervalos de duas doses, ou mais, de margueritas, entre os gatos de sua casa em San Francisco de Paula, Cuba.

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